Se você parar de gritar tão alto escutará que chamo. Ouvirá uma inconfundível voz autoritária falar. E será como uma inesperada agulhada de luz a espetar as suas espessas camadas de futilidades. É certo que a sua pobreza de tato poderá vencê-las, mas digo que de hoje em diante, o sol começará a espalhar a sua claridade sobre a minha cabeça. Você parou em mim com o mesmo olhar com o qual tinha me mandado embora naquele dia cinza, em que eu tentava limpar as manchas de sangue que, por um falso passo, teimaram em permanecer sob o tecido da minha roupa e nunca mais saíram. Isso foi naquele dia que era para ser de cinema, naquele dia que era para ser de reconciliação, naquele dia eu rasgaria tudo a minha frente, mas você me impediu, e me deixou no tempo, pedindo para que eu fosse embora para nunca mais voltar, e realmente eu fui. Então desse lado de cá, ficou apenas um barulho de gritos, rangeres de dentes e as contorções de um corpo frágil atrás das janelas do carro, num brinde agonizante que só fazem as almas que se sentem estilhaçadas. Naquela hora então não pensei em mais nada, a única coisa que me parecia adequada era te deixar para trás, fantasiei que se eu parasse de procurar a luz dentro daquele labirinto, te encontraria muito mais fácil fora dele, eu queria mesmo era sair da minha exuberante fossa de mágica sobre a qual se erguiam muros em volta, quem sabe eu não encontraria seu reflexo escavando corações e fazendo buracos onde não devia. Tive a impressão que mesmo se eu gritasse seu nome de onde quer que estivesse, o eco da minha voz não voltaria, você não me escutaria. Então peguei as chaves do meu reluzente quadrado gol e deixei para trás a confusão ruidosa da sua casa. Passaram-se muitas horas até que eu conseguisse chegar a minha garagem, onde me refugiei por uns vinte minutos, mesmo assim não entrei sã em casa. Cheguei completamente desnorteada porque eu sabia que daquele dia para frente eu não moveria mas uma palha sequer, a luz do meu quarto não estava apagada, aquele foi o sinal a indicar-me que minha chegada já era esperada, pela minha mãe. Parei diante dela e a abraçei, eu chorava feito criança, era uma dor inexplicável, eu sentia que podia morrer naquele momento em seus braços aconchegantes. E ela apenas me abraçou, contemplando-me longamente em silêncio. O meu reflexo me entregava me mostrando um corpo maltrapilho e abandonado, como se a alma que habitasse aqui dentro tivesse sumido. Deitei na cama lentamente pensando escutar sua voz vibrar no vazio. O eco dela parecia desenhar sorrisos mortais em forma de espiral convidando-me a fazer a passagem de acesso à infelicidade. Como eu havia suspeitado estavamos no fim, no último adeus. Então eu já estava sozinha naquele quarto escuro e sem vida, deitada ainda de salto, suando como se tivesse trabalhado até não poder mais e chorando como se alguém tivesse morrido e realmente tinha mesmo, tentei ligar, mas desisti, meus dedos fizeram menção de acionar as pesadas teclas novamente, mas hesitei como se temesse não encontrar ninguém me esperando do outro lado da linha, e realmente não havia mais ninguém, Dei passos para lá e para cá, desconcertada. Eu não podia fazer mais nada, e tudo por um acesso de raiva impensado da minha parte, que eu tivera na semana anterior, e você não entendeu que não era nada demais, era só para fazer ciúmes, mas eu acho que exagerei. E você insistiu com mensagens, bem mais de duas ou três e ligações também até ouvir o rangido da minha porta e constatar que ela estava se fechando, eu realmente deixei vir á tona naquela época toda a mágoa de longos quase 6 anos. Então parei diante de mim e fiquei me olhando me sentindo um espantalho. Tentei reunir coragem para ligar e lhe dizer qualquer coisa, mas a saliva havia secado e os pensamentos foram incapazes de formular um único parágrafo. Percebi que eu não tinha forças para mais nada apenas para lágrimas. Como se a cura viesse por aquelas pérolas escorregadias que me entrecortavam as retinas, ajoelhei abraçada ao meu urso até implodir aquele silêncio maldito, e me esqueci do tempo, as feridas se abriram mais e chorei a noite toda. Fiquei abraçada ao meu urso até a luz do dia metralhar a minha janela e formar vários pontos de claridade na minha cortina. Senti na alma o verdadeiro começo de dias interminavéis de lágrimas. Deixei a luz morna do amanhecer me emprestar sua luminosidade, até que a temperatura subisse e devolvesse a minha sobriedade. Nesta manhã, minha alma amanheceu sem vida, mas eu me prontifiquei a pelo menos fingir que estava bem, depois as nauseas passaram. E, brinquei de balanço, me entreguei ao brilho daquele céu azul, desses que só existem quando estamos sonhando, sobretudo, se acordados. Voa...Voa...Voa... Soprava o vento enlouquecendo os meus cabelos, como se quisesse me conceder num embalo a passagem para outra vida, perdi-me naquelas alturas. Quando quis descer, do nada, alguém empurrou o balanço ainda mais alto como se quisesse ouvir minhas gargalhadas. Compreendi que os paraísos perdidos estão gravados na mente dos que sonham o voo e acreditam que a luz possa ser alcançada até num sorriso. Depois disso, conheci um céu novo e me arrependi dele depois, mas aprendi, desde então tenho noites em que as vistas ficam meio molhadas sob o pára-brisa das pálpebras e nenhum limpador parece capaz de desembaçá-las. Sempre que escrevo um texto e coloco meus sentimentos, sinto que me livro um pouquinho dessa coisa ruim. Aqui faço o que bem entendo. Retiro a minha mascara, desamasso as bordas e reciclo os pensamentos. E escrevo sobre como aprendi com você que ser gelo é bem eficaz. Não esqueço os seus bordões, não esqueço-me de nada e por isso de vez em quando as lágrimas aperecem sem serem chamadas, é inevitável, demoram a vir, mas quando vem, parecem não querer ir embora, foi assim na noite de sexta-feira, uma invasão dessa minha solidez, não me contive. Deixei que a sua falta escoasse. Deixei que ela lavasse a mim junto a saudade. Deixei que me levasse, e aquela luz intensa que meu sol interior emanava, ela cobriu de poeira, levantei os olhos para o céu e me perguntei porque eu havia me lembrado de tudo isso? E o que vi ao abaixá-los, foi a resposta: é porque ainda não se fechou aquela ferida negra e sem fundo, e o que vi também, meu Deus, foi minha vida completamente parada por causa da sua, e cheguei a conclusão que tenho que parar com isso, preciso viver!
"...Te amo mesmo, talvez pra sempre. Mas nem por isso vou deixar de ser feliz ou viver minha vida. Foda-se esse amor. E foda-se você."
Tati Bernardi
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